Evandro Mesquita com sua eterna Blitz foi figura catalisadora para a explosão do Rock brasileiro nos anos 80, nesse Entrevistão especial conseguimos ver o artista à vontade falando de música e empolgado com o futuro de sua banda.
Claro que o Evandro ator de destaque no cinema, teatro e TV é super simbólico da genuína carioquice do ser humano e artista, mas ficou óbvio que é na música que o cara realmente se inspira e vibra com maior intensidade.
E foi sobre música que conversamos, passando é claro pelos 80’s, pelo Brasil atual e por toda complexidade do Rio de Janeiro.
Encontramos o músico e compositor em seu habitat natural no Rio de Janeiro em plenos jogos olímpicos, aproveitando temporada do musical “Beyoncé ou não ser… Eis a canção” na época em cartaz no Casarão de Botafogo, tradicional espaço cultural na Zona Sul da cidade.
A peça foi ótima, bem humorada e repleta de canções de Mesquita e de outros compositores como Rita Lee, Caetano Veloso e Aretha Franklin, costurando inteligente narrativa onde sua primogênita Manuela Mesquita mostra talento, cantando e versando sobre uma noite daquelas, cheias de encontros e desencontros amorosos.
[red_box]Após a peça um simpático e descontraído Evandro nos concedeu a entrevista abaixo:[/red_box]V: Você é um artista super multimídia e muito ativo em várias frentes, como funciona seu processo criativo? Compor é um trabalho como outro qualquer ou depende mesmo de inspiração ?
Evandro Mesquita – Cara é uma continuidade de criança, de continuar brincando, o meu pai tocava violão clássico, minha avó era professora de artes, ele também desenhava super bem, e eu já gostava de fazer as capas de trabalho no colégio.
Até que desenho legal… fazia histórias em quadrinhos, quando comecei a entender o mundo através das histórias dessas revistas, primeiro das infantis e depois as de adolescente e até as mais underground… na real é um processo natural sabe, no meu Instagram que o perfil é “arteiro”, eu falo que gosto mesmo é de fazer arte
V: É uma necessidade de se expressar ?
Evandro Mesquita – Exatamente, é um contato com a vida prazeroso.
Não é trabalho… é como falei hoje cedo no estúdio, que já estamos há dois anos preparando um novo álbum da Blitz, e todo dia você fica lá 7 horas direto com a bunda na cadeira, mas podendo ficar no estúdio fazendo o que quer.
Como é bom e recompensador ter essa liberdade de ficar no seu espaço criando sem aquela cobrança, trabalhando bem cada detalhe da música, da letra.
Eu fico assim muito à vontade de poder viver esse lado da arte, na música, na dança, no teatro… sempre em como passar a interpretação de uma música… que arranjo sublinha legal aquela história, que guitarrada que entra bem naquele papo, enfim eu acho que fico criando até quando vou pro sítio e me vejo pintando uma raiz que parece um lagarto. Eu tenho essa necessidade e acho que todo mundo de certa forma também tem um pouco.
Sinto muito prazer nisso, e acho que a música é a coisa mais divina e especial, nela consigo ver o tempo passar mais devagar no palco.
Com a banda onde eu falo de coisas autorais, é onde falo o que quero, já que não sou um cantor de interpretar coisas, mas eu gosto das minhas coisas e de canções que escolho e que tenham a ver com minha embocadura e que me digam algo.
V: Você acabou de falar que está trabalhando num disco novo. Como está esse processo ? O que vocês acreditam poder atingir nessa fase atual da banda, com o estúdio próprio e várias participações especiais no projeto.
Evandro Mesquita: Eu acho que esse é o primeiro disco de inéditas que estou fazendo com essa liberdade, o anterior com o DVD ao vivo também mixei no estúdio de casa, o que é ótimo pois não tem o taxímetro do técnico e tal, e as horas de estúdio poderem ser mais trabalhadas e poder com essa nova tecnologia explorar mais possibilidades.
Nesse mundo atual, você não precisa de um estúdio da NASA, como eram antigamente os estúdios das grandes gravadoras… aquela coisa enorme, que você falava “caralho que absurdo”… e agora é muito mais fácil, só que por outro lado o que é difícil é chegar nas pessoas, até pela quantidade de coisas que tem por aí.
Você pode fazer um disco sensacional no quartinho de sua casa, ter toda essa facilidade e abundância de recursos e ao mesmo tempo aproveitar desses caminhos novos, onde a garotada é muito mais safa mesmo. Acabei conhecendo online umas bandas que pensei como podem ter 14 milhões de seguidores e não ouvi em lugar nenhum, e nesse sentido minha geração sofre um pouco mais, eu sou um cara do tempo do vinil.
Eu adoro ver aquele bolachão, as fotos grandes, o poster com as letras e aquela capas que eram sempre simbólicas, e você ia ler quem tocou o que em que faixa, quem mixou, produziu, em que estúdios foram gravados, e essas informações todas… a gente absorvia tudo que tinha num LP.
Outro dia um amigo me disse que o CD também ia acabar … que o digital não sei o que e tal… mas eu não gostei até porque o próprio CD também é cheio das informações, é sempre uma desculpa para continuar fazendo shows, cair na estrada e mostrar o que você faz agora.
V: Quando vocês imaginam lançar esse novo trabalho da Blitz ?
Eu estou muito contente e orgulhoso com esse novo trabalho de inéditas, e em outubro deve ser nosso deadline.
A coisa mais legal foi essa fase final… de quatro meses prá cá começamos, vamos chamar esse convvidade, depois aquele… eu gosto de fazer super uma mistura.
O lance da Blitz é que temos muita informação, indo de Jackson do Pandeiro, Moreira da Silva, Led Zeppelin, Bob Dylan, Bob Marley e jogamos isso tudo num liquidificador e sai com uma personalidade própria, não é uma diluição dessas influências e sim a coisa mesmo da Blitz.
V: Você está bem animado… qual será o nome do disco ?
Muito animado mesmo, acredito que é algo muito forte como foi o primeiro álbum nos anos 80, chamamos por exemplo o Zeca Pagodinho, a Blitz sempre foi uma banda carioca, então vai ficar e ficou mesmo bem legal.
Com a Blitz sempre foi assim, primeiro falavam que não sairíamos do Rio, depois que era uma banda de um verão e tal, mas vestimos essa personalidade local e a combinação com o Zeca foi ótima, nessa onda já chamamos o Seu Jorge que também tem essa coisa além de ser um cara que a gente admira, e ele amarradão também na banda foi legal prá caralho, e depois a Sandra de Sá num som que tem um diálogo e chamamos ela para fazer essa parte das meninas, e arrasou.
Pintou também a Alice Caymmi que é de outra geração e ficou ótima cantando aquela canção que você ouviu na peça “No Cú Pardal”, e foi muito bom.
Daí chamamos o Mc Cert do Cone Crew para uma música que fiz que tinha espaço para um RAP, aí falei com esse meu amigo o Ronaldo que é pai do cara, e que eu conheço desde pequeno, foi no meu sítio e fizemos essa ponte e foi muito bom mesmo.
Primeiro separamos 16 compassos, e ele ficou ouvindo o looping e escrevendo até começar… “viajante, aventureiro”… mas pensei que estava meio lento e tal, e então de repente ele solta uma saraivada de rimas muito criativas. Foi foda porque ele mandou muito bem, colocamos ele até como co-autor da música.
E rolou também caras como o Pretinho da Serrinha, o Andreas Kisser do Sepultura, o Cidinho Moreira na percussão, Milton Guedes no Sax.
Pegamos uma ponte aérea e fiz uma música com o David Moraes e com o Moraes Moreira, que tem uma super conexão comigo, estou até na capa do terceiro disco deles, o Novos Baianos Futebol Clube, na época nos anos 70, eu jogava bola com eles, até porque o Dadi é meu amigo de infância.
E não parou mais, fizemos contato com os Paralamas do Sucesso para fazer um SKA, foi virando uma festa, imagine Paralamas e Blitz juntos, envolvi o Frejat também e ficou bom demais, uma super celebração com esses amigos.
Uns que começaram juntos, outros que estão por aí mas que tem uma sintonia forte de alguma maneira com a Blitz, então esse disco está mesmo muito forte.
Mas o nome… ainda pode mudar… já tem um apelido que é “Pode ser diferente”, que tem tudo a ver com ser livre, não precisar estar na moda mas com personalidade.
O álbum sem dúvida ficou e vai ser muito maneiro.
V: Quando a Blitz surgiu estávamos naquele momento saindo de uma fase conservadora e muito careta, no final dos anos de ditadura mas num caminho de abertura. Para vocês apesar do disco ter sido censurado, o que causou impacto foi a liberdade de temas. Falavam de sexo, comportamento e até mesmo da polícia. Será que agora não estamos no momento inverso, onde até o rock e a sociedade voltam a se fechar, ficando mais quadradão e careta ?
Eu acho que tem uma grande possibilidade de estarmos exatamente nesse momento, por isso mesmo que acredito no álbum “Pode ser diferente”, nos dando a chance de questionar nas entrelinhas como em “No Cú Pardal” e em outras canções com palavrões, verdades diretas e indiretas.
Sabe, eu sempre quis agradar a turma da praia, ver a reação dos meus amigos, como iria reagir aquele cara que tinha acesso a informação e grana para ir prá fora e ver as grandes bandas, como um Pink Floyd e outras, e ao mesmo tempo poder ver como ia reagir a turma que ia no Bocão ver aqueles filmes de surf com sons que muitas vezes não conhecíamos e com as trilhas sonoras do caralho, totalmente diferentes do que chegava na época pelo rádio.
Então toda essa informação que corria era o que a gente conseguia botar numa releitura dentro dos shows da Blitz.
Lembro que logo depois do nosso primeiro show já rolava esse papo na praia, perguntando quando íamos tocar novamente, se ia ter disco e se iria tocar na rádio.
Naquela época tocar na rádio como banda de rock era surreal, era como ir até a Lua, muito difícil, a juventude não tinha voz nem vez. A banda pop era o Roupa Nova e que não falava com esse meu pessoal.
V: E pensar que hoje em dia todo mundo com a tecnologia consegue ter voz ou pelo menos amplificar por aí o que pensa.
É verdade, outro dia coloquei no meu Instagram a frase – “Stop Making Stupid People Famous”, uma coisa assim onde todo mundo tem voz mas ninguém fala nada.
Não gosto de ser saudosista, mas como fala o Bocão… tudo era muito melhor, com que ansiedade eu esperava um novo álbum dos Mutantes ou dos Novos Baianos, dos Beatles, Stones… e agora tem essa coisa da quantidade de informações sem fim, mas para quem bebeu naquela fonte, você ouve alguns sons atuais e pensa… mas isso aí… parece aquele outro som e tal, é um subproduto ou diluição daquela musicalidade que fez minha cabeça em outra era.
Claro que tem um ouro por ai, tem gente talentosa fazendo música, mas a procura também é legal, você garimpar, ter que ir atrás das coisas sem que elas estejam prontas para você ir lá e consumir.
V: Olhando em perspectiva histórica o Rock Brasil, acho que muita gente não dá o devido reconhecimento ao fenômeno que foi a Blitz, com o sucesso absurdo daqueles três primeiros álbuns. Talvez pelo rock ter ficado mais sério na segunda metade da década, não que a banda não fosse política, mas era sempre com humor e tal, mas você acha que cumpriram a missão, que a Blitz na época durou o que tinha que durar como banda na época ?
Não eu acho que não. Creio que podíamos ter feito muito mais, mas ao mesmo tempo foi uma puta conquista.
Só de olhar para a banda e pensar que estávamos vivendo daquilo, indo juntos tocar em outros estados, tocar com a galera, ter o roadie e tal, foi sensacional.
Falávamos de coisas sérias prá caramba, sem ser didáticos, panfletários ou óbvios, gritando “Abaixo a Ditadura”.
A Blitz sempre vinha cheia de sacadas nas entrelinhas, com muito humor como na época do Asdrubal que fazia no Rio um teatro assim, influenciado pelo Oficina e aquela coisa performática do Zé Celso.
Assim a banda conseguiu ser muito inovadora também no palco com grandes performances e por isso conseguimos tanto espaço em pouco tempo.
V: Atualmente muito grupos buscam essa comunicação mais plural e usam a coisa do Teatro como ferramenta. Como foi ter essa experiência lá nos anos 80 ?
Foi a Blitz que trouxe isso para a música do Brasil, os shows até então eram feios, não tinham nenhuma produção, e conosco a escola de samba entrou no rock, fizemos shows com a bateria da escola de samba no palco, criando uma nova identidade para o poprock nacional, mexendo muito com as estruturas da época.
V: Algumas músicas de sucesso da Blitz foram tão emblemáticas, que quebraram as barreiras do FM e se popularizaram no país todo, invadindo as rádios AM e se tornando hits massivos no Brasil todo. E fiquei pensando quem além da Blitz conseguiu isso no rock nacional, e pensei em poucos artistas mesmo, talvez o principal deles tenha sido o Raul Seixas em especial nos anos 70. Hoje antes da peça, tocaram vários sons do Raul e fiquei imaginando qual era sua relação com essas músicas do Raul Seixas.
Sabe que atualmente tocamos ao vivo com a Blitz “Aluga-se” que é muito legal e combina com nosso repertório que já homenageava também o Raul Seixas em “Meu Amor que mau humor” do Radioatividade (1983), onde falávamos:
Não se irrite Rita, foi Ruth que riu do rock, Que ouviu no carro do Raul la la la Raul la la la
não se irrite Rita, foi Ruth quem riu do rock , Que ouviu no carro do Raul la la la
Ele era impressionante mesmo falava com todo mundo, e era uma crônica bem humorada e super certeira… Você ai sentado, cheio de dentes esperando a morte chegar… sabe, até o título era foda “Ouro de Tolo”… e Raul falava de forma que todo mundo realmente entendia e com uma inteligência e humor incríveis.
O Raul era muito legal, sempre achei o caralho, mas infelizmente não cheguei mesmo a conhecê-lo, nos cruzamos algumas vezes mas sempre de raspão, mas ele sempre estava mal, num éter tremendo, já numa fase final e destrutiva.
V: No dia a dia o que você ouve ?
Cara eu ouço de tudo, e adoro ficar garimpando, mas muita coisa antiga que eu ainda gosto muito e me inspira, estava ouvindo agora Taj Mahal que é um super bluesman, mas eu ouço Rolling Stones, Eric Clapton, Bob Marley.
Mas nunca me fecho, sempre tenho a curiosidade de me perder nesse mundo da música e descobrir algo novo, mesmo que de músico mais antigos.
V: Engraçado pois no primeiro álbum da Blitz temos várias canções cheias de pegadas de blues, e acredito que não só para mim mas para muitos jovens na época, esses sons foram uma introdução ao estilo. Citando esses músicos e sua conexão com o gênero, você acha que o Blues é a linguagem natural para você se expressar?
Essa música minha “Cruel, Cruel Esquizofrenético Blues” que foi uma das censuradas no disco de estréia, surgiu assim… num talking blues com tudo de uma só vez, e como é um história foi bem interessante.
O Ricardo Barreto ficava na guitarra repetindo a levada clássica e comecei a cantar por cima, e saí falando, falando… e tudo saiu direto, nunca fiz outra música assim, e que tem muito essa coisa básica da história, de saber contar essa história de um jeito bacana que te pegue, com uma simplicidade harmônica e ao mesmo tempo com uma carga dramática. E no arranjo, num Blues assim… tudo ficou perfeito.
Mas também é como o samba canção ou com o samba de raiz, que é também a coisa do Luiz Gonzaga com uma história… eu lembro de ter visto ele uma vez no Teatro Tereza Raquel que foi foda… ele elaborava enredos completos, com cenário, personagens e era quase um blues, mas numa levada de xote, de baião.
Isso tudo de certa forma me marcou bastante. Eu acho lindo no Blues ter essa coisa da alma estar exposta… do soul prá valer…é muito legal.
V: Para encerrarmos… como está vendo o Rio de Janeiro… está otimista ? Foram lindos os Jogos Olímpicos e as coisas ficaram prontas… como você tão ligado ao Rio vê o futuro da cidade ?
Estou vendo a cidade no meio desse turbilhão de mudanças, eu moro perto da obra do Metro na Linha 4 e sofri bastante com isso mas parece que agora após os jogos as coisas vão ficar mais fáceis pois estarão disponíveis para todos.
Eu sou otimista, sou um centroavante que acredita em todas as bolas, acho que vai acabar melhorando muita coisa, até porque tem que melhorar.
Mas agora é a hora da educação na praia, com o meio ambiente, são coisas tão urgentes para a cidade, você vê a baía da guanabara, o esforço de limpar a Lagoa Rodrigo de Freitas, o saneamento, aquela obra que ninguém vê mas que para o futuro é a mais importante de todas, a que garante que esse patrimônio natural possa existir também no futuro.
Sabe ir lá e fazer emissário, não é solução, jogar toda merda no mar da Barra não adianta, isso é cruel, para quem então já mergulhou numa água bem mais limpa, teve um Rio que apesar da época da ditadura e de todas as censuras, nos permitia fugir e ser um pouco invisíveis com os cabelos enormes, curtindo a natureza e a praia com uma liberdade que se refletia na vida cotidiana do carioca.
Tudo era muito mais nosso, agora tem um enorme medo, a violência crescente. Onde antes se resolvia na porrada, agora é logo tiro mesmo, então tem esse alerta que é o meu receio, mas no final eu acredito que o Rio vai dar e tem que dar essa volta por cima.
Não tem como não acreditar e tem coisas boas como a obra no Porto Maravilha, que todo mundo já sacou que ficou genial, e é um caminho para renascer o centro e dar um gás nessa nova cidade.