Exclusivo no Entrevistão Vi Shows
O rock no Brasil já passou por todas as fases, do início pop dos anos 50 e 60 que eclodiu na jovem guarda, para na sequencia se misturar com a MPB da Tropicália gerando Os Mutantes e uma série de bandas que fizeram a transição para a década de 70 com foco nos sons progressivos e mais pesados do hard rock.
Os anos 70 levou o estilo de volta ao underground, apesar do sucesso de artistas como Raul Seixas, Secos e Molhados e Rita Lee.
Mas foi somente nos anos 80 que o rock ou poprock voltou às paradas de sucesso, com toda uma geração que trouxe o punk e a new wave para nosso caldeirão de estilos.
Só que dos anos 90 em diante, o estilo sofreu com o fim do Sepultura clássico, a ausência de ícones como Renato Russo, Cazuza e Chico Science, além da saída de Rodolfo dos Raimundos em pleno auge comercial, deixando nosso Rock Brasil mais fraco e perdendo espaço para diversos estilos e modismos.
Claro que Pitty, CPM 22, Céu, Charlie Brown Jr e outros também atingiram sucesso comercial, mas sem o mesmo impacto e relevância de antes, ficando o rock muitas vezes à margem da mídia corp, voltando ao underground e podendo começar tudo outra vez.
Nesse meio tempo a periferia gestou todo um novo pop, com a criatividade e o faça você mesmo migrando das garagens para os caldeirões urbanos de todo Brasil, onde a linha de combate mais crítica foi sem dúvida o Hip Hop.
Então toda uma nova geração apareceu, primeiro com os precursores Thaide e DJ Hum e Racionais MCs , para que nos 90´s surgissem RZO, MV Bill e o crossover rock/rap do Planet Hemp. Artistas que abriram as portas para a geração atual de Criolo, Emicida e outros.
Mas e o rock? Bem, é justamente no meio desse hiato que os anos 10´s do novo milênio se encontram. Sem muitos grupos ou artistas que unam o impacto comercial com visão artística relevante…
Mas isso não é de todo ruim, pois essa adversidade acabou dando força à uma nova cena, onde seguramente alternativos e as bandas mais impactantes poderão se desenvolver e retomar o destaque que o RockBr merece.
E foi assim… meio por acaso… que ouví falar do Asfixia Social, e me informei sobre o movimento de bandas Da Rua Prá Rua, e após vê-los ao vivo e conferir seus ótimos vídeos no YouTube contatamos o vocalista Kaneda, que gentilmente nos concedeu essa entrevista, durante as gravações do novo álbum do grupo.
Os Asfixia Social é uma banda pronta, a caminho do terceiro disco, e que pode ser definida de várias formas, pois sem dúvida é brasileira e tem pegada periférica, mas ao mesmo tempo tem um pouco de RATM, Public Enemy e até Calle 13, mas com muita identidade e visão de mundo.Cheios de variações musicais contundentes, apresentam também boas idéias, como a Kombi do Sistema de Soma Da Rua, que repleta de equipamentos próprios, incluindo geradores, possibilita aos caras montar um show de verdade em qualquer esquina do planeta.
A banda e o público, sem intermediários !! Grande sacada 🙂
Aproveitem e conheçam o mix de Rock, Hip Hop com atitude Punk, e qualidade nos versos e intervenções bem sacadas de metais dos caras.
V: Kaneda, queria que você falasse do Asfixia para quem não conhece. Como surgiu, qual a proposta da banda?
K: O Asfixia Social surgiu em 2007, a gente é do ABC paulista, da zona sul e do interior de São Paulo. Eu, Kaneda (voz, trompete e trombone), Rafael na guitarra, Alonso na bateria e Leonardo no baixo. Praticamente a gente se conhece há muito tempo, mas com essa formação tem quatro ou cinco anos.
É a formação que originou-se depois do “Da Rua pra Rua”, o primeiro disco oficial da banda. A gente tinha outros trabalhos antes, construindo a identidade forte que tem hoje. O AS tem uma história de nove anos ativamente na correria de fazer um som principalmente depois do Da Rua pra Rua, que saiu em 2011.
Viemos de um trampo de militância, de organizar show e fazer show na rua, sempre procurando esse caminho. Por isso o nosso primeiro disco se chama “Da Rua pra Rua”. Agora estamos vindo com o segundo trabalho que é fruto da experiência do “Da Rua pra Rua”.Em 2007, trabalhávamos muito mais os projetos sociais do que os próprios shows, mas foi aí que acabamos nos envolvendo com a cultura hip hop, com a cultura punk, e com uma necessidade de criar isso com uma identidade brasileira mesmo.
Queriamos divulgar a cultura popular, intensificar a ação social por meio da música e seus gêneros, e organizar as coisas. Foi aí que conhecemos dezenas de outras bandas e fizemos amizades e trabalhos juntos.
E foi uma galera que abraçou a gente. Nós organizávamos os nossos próprios eventos, priorizávamos o corre na rua, e foi assim que surgiu a ideia do “Da Rua pra Rua”. A identidade que a gente já vinha carregando e que originou o nosso som.
E era um som que misturava, e ainda mistura, rap, punk, ska, reggae, música jamaicana, música brasileira, música africana enfim, música universal.
Até brincamos que é “Música Universal do Reino da Rua”. Tem a Igreja Universal do Reino de Deus, a gente é a Música Universal do Reino da Rua, completamente no sentido contrário do neo-pentecostalismo mentiroso, e que tem a cultura de rua como forma de levar adiante a nossa missão por justiça social.
V: E de todo esse movimento pintou alguns outros projetos no próprio Da Rua pra Rua né?
K: Sim, o disco trouxe participações de gente de todos esses estilos, teve B. Negão, Agrotóxico, Z’África Brasil… e o produtor Marcelo Sampaio, que é um cara de milianos que gravou com o Moleque de Rua (do qual eu era fã desde moleque), com bastante experiência e que organizou muita coisa na musicalidade, produção e que acredita no muito no Asfixia Social e na mensagem.
Foi um cara que deu muito incentivo pra gente seguir adiante fazendo uma produção profissional com o nosso som. Quando começou a gente não tinha estrutura, e nosso aprendizado em produção musical e sobre áudio profissional vem desses caras que chegaram para somar.
E desde 2011, quando lançamos o “Da Rua pra Rua”, seguimos na ativa fazendo shows pra caramba. Desses shows nós passamos a organizar muito mais os nossos próprios eventos, e surgiu o Festival Da Rua pra Rua de 2013, que virou um festival grande pra cena underground. Anualmente a gente reúne dezenas de bandas e tem centenas de bandas inscritas do Brasil inteiro.
Ano passado teve o Tequila Bomb de Alagoas, Protesto Suburbano do Rio de Janeiro, uma banda do Equador que se chama Retaque.
E gente começou a fazer a parada coletivamente e com um foco profissional, não só na gravação de áudio, mas na questão do audiovisual, que a gente pegou e falou “pô vamos gravar um DVD do festival”, que é depois originou o DVD “Asfixia Social – Da Rua pra Rua”, com o disco sendo tocado ao vivo, porque pra gente era muito importante poder registrar em vídeo pra galera ver como é que funciona a banda.
Quem canta, quem toca, quem é o batera, o guitarra e o baixista, porque todo mundo desempenha essas funções, então você ouve o disco e parece que tem mais elementos, mas são quatro caras, e esse é o barato da banda. Nós somos quatro amigos que se identificam no que fazem e temos muito prazer de fazer o som, com a mensagem que a gente se sente representado pra caramba, pois ali está o que pensamos mesmo. Então não é feito pra agradar xyz.
V: E essa parada do audiovisual vocês fizeram vários trabalhos né? Tem um trabalho no nordeste que ficou legal.
K: Sim. Nós produzimos um documentário no nordeste que chegou a passar na TV Maceió. E foi simples, gravamos e mandamos o material pros caras, da turnê que a gente fez lá.
E os caras: “Porra que do caralho podemos passar?” e daqui a pouco tava passando na TV. A maioria das coisas nós gravamos o áudio e sempre tem algum parceiro pra registrar o vídeo… Fred, João, Eduardo, Marco, Felipe.
V: Eu passei o vídeo de vocês em ONG que eu trabalho, aquele que vocês estão tocando dentro de uma saída do esgoto e os moleques piraram e falaram: “Nossa os caras tiveram a coragem de ir lá”. E daí vocês também agitam toda essa parte da produção, isso é legal.
K: Sim a gente faz tudo, então a gente tem a Kombi né? A Kombi Da Rua pra Rua, como o nosso som, amplificadores, e um PA em parceria com a Machine Amplificadores.
V: E dá essa autonomia pra vocês.
K: É isso aí.
V: Fala mais do DVD em Cuba como é que pintou isso? Foi difícil fazer as conexões pra poder estar oficialmente lá fazendo isso? Eu vi o DVD no youtube e são shows totalmente diferentes, alguns eram totalmente “oficiais” e outros em lugares que vocês estavam tocando pra galera em invasões e ocupações deles nos círculos punk de lá.
K: Eu e o Alonso trabalhamos com áudio e audiovisual, e aí fomos trabalhar com um grupo de teatro que foi participar de uma conferência internacional em 2014, em Cuba.
A turnê do nordeste também foi muito por causa disso também, porque estávamos com o grupo de teatro no nordeste e tava todo mundo da banda, e rolou de fazer uma coisa legal lá. E era muito mais fácil, porque não precisava gastar dinheiro com viagem e os contratantes já tinham fechado tudo e aí você vai pra Recife, Maceió e tá tudo perto.
E em Cuba tudo começou mais ou menos assim também, estávamos com a cia. de teatro por lá, foram representar o Brasil na conferência internacional de teatro de objetos, e aí eram oitenta países, e nas horas extras eu participei de umas rodas de MCs com os caras locais, e depois uma banda de salsa me convidou pra cantar num show, numa praça, pra sei lá quantas mil pessoas.
Eu conheci o maestro da banda, puta grupo foda de salsa e o cara falou mano eu quero que você faça isso aí que você falou agora de improviso lá no palco e eu falei demoro véio e a gente conheceu a galera porque a gente tava com o teatro e tava com uma galera envolvida os órgãos de Cultura de Cuba.
Eu e o Alonso conhecemos muita gente, e os caras pediam o som da nossa banda. E daí no terceiro dia que a gente tava lá e desceu na praça (em Santa Clara) tava todo mundo ouvindo o nosso som no celular. Assim, conhecemos uma galera envolvida com a organização dos shows, passei o contato pra eles, e apesar da comunicação ser meio precária, mesmo via e-mail que demora pros caras, rolou de começarmos a organizar a tour em Cuba, um ano antes da gente ir.
E quando chegou aqui eu peguei o material e mandei pros caras do Ministério da Cultura, da Associação Hermano Saiz , conhecemos essas pessoas e fomos na fábrica de arte cubana, que foi o show oficial, dentro da Bienal de Arte Cubana.
Isso em 2014 e estava tendo o show da Omara Portuondo, que é do Buena Vista Social Club. Quando voltamos em 2015 estava tocando na mesma semana da bienal de arte o Flea e o Josh Klinghoffer do Red Hot Chili Peppers, e a gente era parte da programação como atração internacional.
E ali percebemos o seguinte: que eles não tem essa diferenciação do que é mídia e do que é underground, pros caras é arte e pronto. Eles vão ouvir e avaliar o que é bom. A gente até achou que não ia rolar tocar na Bienal de Arte Cubana, e foi o principal show de todos.
Como tínhamos ganhado o prêmio da Cultura Hip Hop em 2014, da Funarte, essa grana foi o que garantiu a ida, e daí juntamos a grana do prêmio e decidimos viajar, mas não queríamos ir pra Europa, ou a gente ia pra África ou a gente ia pra Cuba. Fomos a primeira banda brasileira a fazer uma turnê em Cuba, e o DVD-documentário Cuba Punk – Asfixia Social é o primeiro registro audiovisual em alta qualidade da cena punk que existe na ilha.
V: E o que você achou disso tudo? Os punks locais e tudo.
K: Então discutir um rótulo é foda, porque você tem pessoas e pessoas em qualquer lugar. É preciso fugir desses rótulos. Mas do ponto de vista do cubano, falando do cubano mesmo que sai da escola e vai escolher a profissão por outras razões que as nossas. Geralmente a gente sai da escola e fala que vai estudar alguma coisa que vai dar dinheiro.
Poucas pessoas pensam eu vou estudar alguma coisa que gosto e foda-se. Que deveria ser o certo.
Lá não é assim. O cara que estuda teatro, medicina ou seja lá o que for não vai ter essa diferença financeira na vida dele, e por mais que seja um país pobre, você não vê a miséria extrema na rua como em toda a América Latina, ou mesmo no país vizinho que é o Haiti. E você também não vê nada de violência, que é um fator absolutamente diferente de todos os países que conhecemos do terceiro mundo.V: Qual foi o show mais legal?
K: É difícil falar, mas o show mais foda foi em Trinidad, pela resposta e diversidade do público, cubano e estrangeiro. A cidade que eu particularmente mais gostei é Santa Clara, mas show mais foda foi em Trinidad. E tinha gente do mundo inteiro nos shows de Havana e Trinidad.
V: E o pessoal punk lá, tem problema com o estado? Até que ponto complica a vida deles?
K: Não. É tipo a cultura dos loucos, dos freakies, como eles dizem. Mas isso é engraçado, porque o cara que é punk lá não está preocupado se ele vai se foder financeiramente ou não. O cara faz o que ele acha que tá certo, muitas vezes com uma atitude correta, e muitas vezes com uma visão distorcida do que é certo. Esses rótulos, não gosto.
V: Mas eles conseguem se organizar?
K: Essa é uma discussão que muita gente chega e desmoraliza a galera “punk”, fala “pô os caras são desorganizados, não querem nada com nada, são contra tudo, mas não propõem nada”. E muitos são mesmo. Mas existem pessoas e pessoas, tem uma galera que propõe muita coisa e fala: é assim que a gente vai fazer, vamos nos organizar e ter nosso espaço e vamos propor a cultura de acesso livre para a população, uma cultura que traga informação e discussão, debate e coisas boas pra gente, e isso não é um rótulo que traz, isso é atitude, e tem uma galera que não tá nem aí mesmo. E aí não muda nada pra realidade daqui.
Mas lá em Cuba a galera que se diz punk é uma galera que encarna a cultura mesmo, desde o visual até a atitude com o próximo, então eles são muito unidos, pelo menos entre os grupos, a galera de Havana, a galera é muito unida. Então os caras chapam, brigam entre eles, fazem os “corres” entre eles.
Eles têm um estúdio no telhado da casa, a gente chegou e o primeiro dia foi de ensaio. Ali não tinha estúdio, os caras saíram catando lixo na rua, latão, placa de metal e tal e fizeram o estúdio de sucata. Daí se tornou um local onde várias bandas ensaiam. Muito louco o estúdio, é no telhado da casa, você toca e o bairro inteiro escuta! rs
É muito diferente a cultura dos caras, um dos caras foi preso porque brigou com um policial e lá os policiais não podem sacar a arma pra você, então eles saíram na mão e o cara foi preso. Lá é muito diferente essa cultura de violência.
É um país pobre e uma das análises que a gente faz é que Cuba é pobre pra caramba, no sentindo de não existir tanta desigualdade, não é uma miséria extrema, é um país pobre que passa dificuldades e muito por questões até internacionais, porque na época da União Soviética isso não acontecia. Os mais velhos afirmam exatamente isso.
Mas em questão de estrutura social, você ter acesso a assistência social, isso é muito legal. E não é só a medicina, é tudo, só que é um sistema que priva a liberdade das pessoas. Um cubano que ganha 14 dólares por mês, que lá vale sei lá 360 pesos cubanos. O cara ganha isso só que o que dá pra ele fazer lá? O cara faz compra e faz o rolezinho dele na cidade, não dá nem pra ele viajar, então ele fica por ali.
O cara já tá limitado a ficar ali, ele não vai ganhar muito mais que isso, então ali ele sobrevive, já tem a casa, tudo é barato e tal, o governo subsidia tudo. Só que isso não é vida pra algumas pessoas, e apesar de ter gente que “gosta”, é uma privação pra muitos.
V: Nesse mesmo país tem o cara que ganha em dia o que ele ganha em um mês com turismo…
K: Muito mais, aqui no Brasil por exemplo 14 dólares por mês é surreal, por que acontece isso em Cuba? Porque o governo subsidia tudo, então o governo faz a comida ser mais barata, você consegue sobreviver em Cuba com 14 dólares por mês, porque o governo tá ficando com aquela parte do seu trabalho e tá subsidiando, só que ao mesmo tempo você nunca vai conseguir viajar pra outro país, nem que seja vizinho. Você não vai sair de Cuba pra ir pra República Dominicana, você nunca vai conseguir fazer isso.
A passagem custa mil dólares… quinhentos dólares, você nunca vai conseguir juntar quinhentos dólares em Cuba, a não ser que você seja do governo ou tenha um negócio, que é muito difícil.
Lógico que tem as patotas, gente com certos benefícios no esquema dos caras. E aí se você for ver, o cara que é gerente do hotel, por exemplo, tira uma grana por fora, tem gente que tem muita grana.
V: Eu também acabei chegando a conclusão que é o sistema que eles tem e nos outros lugares, de certa forma, não é tão diferente assim né?
K: Não é diferente, o problema é que a gente sabe que no mundo é assim né? Não estou fazendo nenhuma critica sem base, é um país lindo, o povo é educado pra caramba é outro nível de recepção, percepção, e uma sociedade muito evoluída mesmo.
Minha crítica é tanto em relação a uma galera que é saudosista e diz, que é uma maravilha lá mas também nunca visitou, e para os que também só querem criticar por ser socialista, dizendo que é uma prisão, que as pessoas formadas se prostituem prá viver,e não sabem que estão falando bobagem mesmo. Muita bobagem.
E no fim não é nada disso, chegamos lá e pensamos no primeiro dia que só tinha gente louca por lá velho, e depois começamos a entender, pois os caras ficaram tão isolados que eles tem um jeito deles de fazer as coisas e de protestar também.
Eles trabalham muito menos que nós… então nesse ponto da qualidade de vida, vivem melhor que a gente em vários aspectos, e por mais que não tenham tanto acesso a tecnologia, que não tenham a oportunidade de comprar o que tem de melhor no mercado, mas isso rola também aqui, eu mesmo já fiquei sem grana mesmo, nem prá pegar um ônibus, mas deixa quieto… o lance é que lá o cara trabalha 3 a 4 horas por dia, ou não trabalha.. em Cuba tem um lance que as pessoas tem muito mais tempo prá viver do que aqui e em outros lugares.
Mas enquanto aqui rola essa tensão social e confronto entre as classes, os ricos, classe média e os pobres cada um tentando se garantir e uma hora não se entendem, e daí já viu, por lá o Governo tem uma galera que compra a idéia do sistema deles, de que está tudo tranquilo e tal, e as pessoas que vão empurrando com a barriga porque estão vivendo, mas o filho do cara nunca vai poder ter a chance de fazer algo diferente do que está proposto.
V: Mas isso não vai mudar com essa abertura?
K: Sim, vai mudar. Mas é bem louco, o pessoal subversivo quer ver fogo, odeiam o comunismo, e daí se você chegar lá saudosista talvez não entenda nada, eu já sabia, pois antes de ir prá lá já comentamos, que ia ser diferente.
A forma como o estado lida com as pessoas é foda, o povo vira e mexe é enganado, parece que está na vila do Chaves (seriado de TV), rs, que você tem que ser feliz por que pelo menos dá prá sair dar um rolê ou toma um sorteve com a moeda subsidiada. Aqui muitas vezes não é muito diferente.
V: E o lado musical? Ví nos vídeos que alguns sons foram traduzidos, você sentiu essa necessidade para ser melhor compreendido?
K : Teve de tudo, pois como já havíamos divulgado uns sons e vídeos por lá, tinha gente que conhecia “Censura,Não”, e que gostavam de cantar em português, curtiam gritar “vai se foder” e os refrões e tal, o que foi uma parada muito legal, já em “A banca” eles perguntaram o que significava, e então traduzimos para “Apártate”.
Eles tem uma rede de divulgação underground incrível, trocam tudo, fisicamente epor bluetooth, trocando sons, vídeos, camisetas e todo tipo de material.
V: E não bateu uma sensação do tamanho que é esse mercado em espanhol ? Pensaram na possibilidade do mercado latino, onde bandas com propostas políticas como o Molotov tem muito espaço mesmo, sendo referência em festivais e atingindo muita gente.
K: Sim cara, pensamos na questão latina como público e integração com nossos irmãos mesmo. É uma parada que consideramos muito, pra lançar material e pra viajar. Antes eu já tinha ido para a Venezuela e vi que era muito parecido com aqui, e fomos para Cuba bem à vontade mesmo, que é de origem latina e um ótimo intercâmbio. Lá apesar de pobre como os demais, não existe essa relação entre violência e pobreza que nos é tão comum, é algo único do mundo. A gente sabia da importância da cultura pra esse povo.
A galera tem educação e uma visão de mundo e do outro diferente, então é muito difícil discutir isso só com um ponto de vista, você não consegue resumir a américa latina, então ver isso em Cuba é totalmente diferente do México, e notar como algo tão único acabou sendo uma opção nossa, como um caminho de troca para cada um da banda.
Foi interessante ir lá discutir a cultura do rock, do rap, tem que buscar entender o ponto de vista local, pois os caras tem uma música única, com muita presença cultural local, mas o cara local muitas vezes não está aberto, ele pensa que por ser do rock, só tem que ser rock, e de repente vinham e comentávam “mas tem trompete”, será que é rock, mas depois curtiam mesmo e vímos gente mais das antigas, músicos locais de salsa ou de jazz que adoraram os shows, vieram e nos falavam que era isso que diziam aos filhos, mistura nossos sons com esse rock, mas aqui também já foi assim, tinha essa cultura de gueto, rock de um lado, samba do outro e tal, mas isso aqui não é tão importante, essas barreiras já foram quebradas.
V: Mas vamos falar de Brasil, vocês hoje tem moral na cena underground, lançaram o álbum e alguns clipes
Obrigado pela moral. Acho que é reconhecimento de um trabalho verdadeiro. Lançamos o Da Rua pra Rua em 2011, com uns clipes na sequência, o DVD no Festival Da Rua pra Rua em 2013, e agora o DVD Cuba Punk, em 2015.
V: E como está a banda nesse momento? Já que vocês conseguiram um espaço importante no underground mas ainda não são uma banda conhecida fora desse circuito. Qual objetivo de vocês ? Sentem espaço para conquistar mercado e um público maior com esse novo trabalho?
K: Cara, a gente já vê a coisa bem desse jeito, nosso som tem nossa identidade, não ficamos pensando se vamos agradar ou não, queremos muitas vezes incomodar os outros e não agradar. Até o momento tudo aconteceu do nosso jeito, fizemos as letras que queríamos, com a sonoridade que buscávamos e naturalmente o underground é nosso caminho. Isso não quer dizer que não queremos estar nos grandes palcos, e temos o compromisso com nossa mensagem.
Eu quero mesmo incomodar, que quem não curte nosso som e temática se sinta incomodado, desligue o som e diga que não quer mesmo escutar o Asfixia Social, prefiro que xinguem, odeiem, mas que incomode, e por outro lado para aqueles que se sentem identificados com nosso som quero mais sinergia e troca.
O underground é isso, é onde nos identificamos, e meio que sem querer já estávamos inseridos nisso tudo, começamos organizando as nossas coisas como banda, e quando vimos já estávamos organizando shows e ações no mercado independente, mesmo que na raça.Claro que é bom ter produtor, boas condições e equipamentos decentes prá tocar, mas o lance da banda é participar de todo processo, quero saber prá quem estou tocando, como eles reagem e entendem nossa proposta, é bom nesse sentido ter que por a mão na massa.
Um bom exemplo é nossa relação com o Marcelo, que é produtor da banda e tal, o cara nos ajuda, mas quem produz o som somos nós mesmos e junto com ele, somando mesmo, com total liberdade para aceitar ou mesmo rejeitar sugestões que apareçam, sempre uma troca de idéias, buscando a mesma sintonia.
Ele também vê a banda de forma real, imagine: chamamos “Asfixia Social”, não é uma proposta em que alguém vai investir para ficar rico, se dar bem com nosso sucesso, no final essa parceria é mais porque o cara gosta da banda, acredita na proposta e acha que pode contribuir, dedicar várias horas de estúdio para podermos trabalhar, gravar com um bom equipamento, fazer uma mixagem legal, nos ajudando a levar a mensagem adiante pra quantos palcos, ruas e mentes pudermos.
Estamos nessa pegada, quanto mais incomodar melhor, quanto mais agressivo melhor, sempre buscando ser construtivos mas sem nenhuma preocupação em conquistar o mundo, pegar o maisntream e dar uma decolada se descaracterizando, a gente se preocupa lógico da banda ter uma sustentação, mas o mais importante pra gente é fazer um trabalho bem feito, tenho certeza que é esse o caminho para a banda se desenvolver e conquistar seu espaço cada vez mais.
V: Como é o processo de composição para vocês, as músicas chegam já prontas, ou existe um trabalho duro de corte e colagem durante toda essa fase de criação?
K: O “Da Rua pra Rua” foi um processo muito espontaneo, do jeito que as músicas foram surgindo fomos registrando e tal, mas já agora nessa preparação do disco novo tem sido diferente, afinal já tocamos tanto, que as idéias foram surgindo de forma mais integrada, quando fizemos a primeira canção desse novo trampo, já pensamos que a segunda teria uma lógica, que seria uma sequência, e com o terceiro som do álbum também, logo está sendo bem diferente, estamos construindo o conceito do álbum, tanto que as músicas são praticamente emendadas uma na outra, com o último som se conectando novamente com a primeira faixa, mas foi bem difícil fazer isso, já são 3 anos nesse processo, virou um lance conceitual mesmo, e chegamos nesse momento trabalhando as idéias e climas das canções de forma bem mais consciente que no primeiro álbum.
Muita gente no início não entendia a identidade da banda, falavam vocês são o que… é rock ou é hip hop… falavam até que não tínhamos um estilo, mas agora começam a entender qual é nosso som, o lance da filosofia “Da rua prá Rua” onde tudo isso pode e deve conviver, e mesmo que tenha demorado prá galera absorver, agora já esperam essa mistura toda por parte da banda, começam a sacar que é essa nossa parada e é de verdade.
A banda quer ser livre para fazer o que der vontade, ser livre, e o disco novo tem muito essa pegada, compondo ele dando sequência às coisas, e pensando em toda transição que vivemos nesses anos, tocando do extremo Hardcore, até o Metal e indo ao Dub, ao RAP e Ska, transitando em todos estilos, mas dando ao disco uma unidade e personalidade que reflitam as idéias e o momento da banda, fazendo com que as músicas não tenham fim, que possam ir se juntando e se completando como um todo, nas raízes urbanas, nas raízes da zona rural, no interior, na música popular brasileira.
E como não temos um objetivo estritamente comercial, não tem data marcada de lançamento, tem que ficar pronto primeiro e estar do jeito que concebemos os sons para que ganhem espaço, fazendo com todo cuidado o álbum para ficar bem feito, vamos terminar o disco sem essa pressão e lançar quando estiver realmente 100%.
É aquela questão do underground novamente, fazer porque queremos, afinal nossa essência está lá no alternativo, e não podemos perder isso, nossa pegada não é aliviar, é sim bater de frente, mas fora isso, quanto mais pessoas conhecerem nosso trabalho e pensarem sobre os temas que propomos melhor, queremos discutir as músicas e a mensagem que está alí explicita em cada uma delas, e incomodar.
Tem gente que diz que o caminho para chegar aos objetivos é mais importante que o objetivo em sí, afinal ele está lám mas o que caminho é que importa e que faz a diferença, trilhar o caminho é foda, é da hora e acaba sendo o que nos move.
Nesse sentido é mais importante a pergunta que a resposta, saber perguntar faz toda a diferença, eu acredito nessa coisa dos filtros, visões de mundo que estamos jogando nas canções para que a galera possa reproduzir essa temática com o próprio pensamento, que possam parar e observar aquilo alí e consigam questionar. Perceber o mundo.
Mesmo o cara que não gosta do nosso som, queremos que ele se incomode a ponto de questionar, e que todos pensem, o mais difícil atualmente é provocar as pessoas a pensar, a primeira música desse novo disco diz “pensar cansa”, “pensar renova”, o pensamento é o primeiro passo para se mover.
E nós mesmos como banda tivemos que pensar, definir objetivos e como conseguiríamos nos posicionar e provocar o público nesse sentido, e desse jeito bem focado mesmo é que está nascendo esse novo disco.
V: Cara o que você está ouvindo atualmente e recomendaria para o pessoal ?
K: Estou ouvindo muito um som da Nova Zelandia, Fat Freddys Drop muito bom, meio Soul e Funk – bem moderno mesmo mas que reflete os anos 80, mas também estou ouvindo um pouco de hardcore, uma muito interessante é o Lama Negra, daqui de São Paulo, que tem uma influência pesada bem anos 80, que me dá uma saudade de uma época que não conhecí, já que peguei mais os sons dos anos 90 em diante.
V: Você lembra como a música entrou na sua vida ?
K: Eu era bem moleque mesmo, criança e prestava muita atenção em tudo que meu irmão mais velho ouvia, e ouvindo alí com ele comecei a fazer poesia, sempre gostei de escrever minhas coisas e influenciado por ouvir Racionais, RZO, foi rápido. Me identifiquei com as rimas e o RAP, e nessa época cheio de agressividade, com as coisas que não se encaixavam mais da infância, e as dificuldades da vida, onde a manifestação artística é uma válvula de escape muito forte, eu jogava muita energia nisso, assim como joguei bola pra espairecer a mente, mas comecei a escrever e achava que era isso que queria fazer, mas logo depois fiquei louco por tocar, não queria só rimar, achava que tinha que fazer mais, e conhecer direito o processo da música e ao me aprofundar nisso comecei a tocar trompete, que era um negócio inusitado para mim, até porque comecei sozinho em casa, era um trompete velho bem baratinho, mas já deu prá começar a tocar, meio que o instrumento me escolheu, e o trombone foi assim, tinha a Binx, que chegou a tocar trombone no Asfixia Social, mas não rolou e ela acabou fazendo dois shows com a gente, mas eu achava tão legal umas partes que encarei comprar um para poder tirar o som que só rolava com o trombone, e aos poucos peguei o jeito.
No Asfixia uma parada legal é que a gente nunca teve muitos outros caminhos, fomos aprendendo tocando juntos, o Rafa ouvia um tipo de som e somos amigos de infância, e eu já curtia coisas diferentes, assim como o Léo que foi quem acabou ensinando o Rafa a tocar, e nesse clima de amizade é que é bom desenvolver as coisas. Senão não tem sentido.Claro que num determinado momento, um ouviu muito os sons do outro e fomos trocando, mostrando coisas novas um para o outro, e no fim jogamos todas as barreiras no lixo e conseguimos ouvir de tudo.
V: Kaneda obrigado pela conversa, e manda uma mensagem prá galera.
K: Acho que uma parada legal, é dizer que é um prazer fazer um trabalho de coração, mas é difícl, a gente tenta fazer tudo funcionar mas depende muito do público, e o que prá banda é ser underground? É o lance de por esse bagulho na Rua, e que é a essência disso que gostamos de fazer é o mais foda, é muito real, conhecer tanta gente, ter esse contato com o público e que no fim é tão simples que não tem nem explicação.
Mas isso é um bagulho essêncial prá gente, não ter um intermediário, nenhum intermediário, foda-se a televisão, o rádio ou o que quer que seja,o lance é a banda e o público, estamos fazendo um trampo real com o Asfixia Social e tem muita gente que gosta, a molecada vem no show, rapaziada da hora, que colabora, canta as letras, soma, dá idéia, e fala o que tem que falar e acabamos fazendo conexões e novos amigos, e isso é prá vida, é família cara, e eu acho que é isso.
A gente depende do público e o público também depende das bandas em geral, e essa parceria tem que acontecer, quem puder acessar o site, divulgar com a galera, assistir os vídeos, comprar material, vestir a camisa, colar no show e curtir nosso trampo, comparecendo e fazendo a informação girar como você do “Vi Shows” também hoje tá fazendo aqui hoje. Obrigado a todos!