A música brasileira raramente é retratada em primeira pessoa, isso já faz do livro Rita Lee – uma autobiografia um feito incrível.
Ademais, Rita Lee Jones não é somente nossa roqueira mais relevante de todos os tempos, mas uma das mulheres mais importantes para a música brasileira no século 20.
Nossa musa sempre foi uma personalidade ímpar, daquelas que o destino já havia marcado para ser artista, e que encontrou na rebeldia dos anos 60 o espaço perfeito para se desenvolver.
O livro é uma delicia, tem todos ingredientes para ser o sucesso que é, repleto de anedotas, heróis e vilões.
Essa dinâmica torna a leitura mais direta, sendo interessante até mesmo para quem não cresceu como eu tendo Rita como uma enorme referencia.
Claro que tudo que é dito em suas quase 300 páginas representa seu lado da história… mas que história !!
Todas as reminiscências familiares da infância e adolescência são deliciosas e servem bem como retrato do Brasil dos anos 50 e do início dos 60’s.
Fica fácil entender o papel libertador e empoderador que o Rock exerceu para as gerações que tiveram James Dean, Elvis Presley e os Beatles como ídolos.
Já na pele de artista iniciante, o relato serve também como documento histórico das idiossincrasias da careta MPB da época, que foi literalmente eletrocutada pela Tropicália de Gil, Caetano, Tom Zé, Capinam, Torquato Neto, Rogerio Duprat, Nara Leão e Os Mutantes.
É didático saber a luta que foi para que os caretas encarassem a guitarra elétrica e a influencia do rock na música brasileira.
Pensando na política, conseguimos perceber como a esquerda da época foi reducionista com o Rock e com a revolução cultural e sexual dos 60’s, creditando tudo como imperialismo e alienação.
Sem esquecer da ditadura de direita imposta pelos milicos e nossa infeliz elite, que era burra, corrupta e censurava violentamente tudo e todos que fossem criativos, questionadores e soubessem viver a vida.
Ao mesmo tempo é um depoimento aberto sobre a cultura das drogas, indo desde os benefícios para a expansão da mente até os problemas do vício e excessos.
[red_box]Rita é uma mulher brilhante e ao mesmo tempo instigante.[/red_box]Para os que cresceram nos 80’s como eu, a madrinha do Rock foi aquela mãe carinhosa e que tinha mil antídotos anti caretice, sempre valorizando a mulher como igual, mil anos Luz à frente da luta atual, que é super importante mas que deveria urgentemente se espelhar em Rita Lee.
Talentosa, rebelde e sabendo usar o humor para detonar os paradigmas reacionários da época e que incrivelmente ainda estão vigentes atualmente, tanto no culto aos “heróis da justiça” quanto no desrespeito à nossa recém violentada democracia.
Claro que nem tudo são flores, e alguns ícones brazucas saem chamuscados do livro.
Apesar de detonados pelos hábitos de higiene, pelo machismo roqueiro e por viverem do passado, os irmãos Baptista, parceiros de Rita nos Mutantes, sobrevivem e tem seu valor artístico garantido no livro, mostrando a importância da parceria e impacto da banda no Rock Brasil.
Alguns dos meus ídolos como o grande guitarrista Luis Carlini, saem bem chamuscados no livro.
Achei mesmo surpreendente, pois cansei de ver o próprio no palco com Rita nos 90’s em grandes performances, onde a própria Rita Lee o tratava com reverência pelo grande mestre da guitarra que sempre foi e ainda é.
Mas justiça seja feita, Rita estava lá e viveu cada uma dessas histórias, apesar das lembranças esfumaçadas pelos exageros e loucuras da época.
O amor de verdade só aparece quando o onipresente Roberto de Carvalho entra em cena, ajudando a adeptos como eu a entender melhor a química sexual e criativa que os levou ao sucesso massivo nos anos 80.
Claro que queria mais detalhes sobre a gravação dos álbuns clássicos dos 70’s com o Tutti Frutti e mesmo com os Mutantes, mas não era essa a ideia da Auto Biografia.
Rita se abriu, mostrou a cara, a bunda e o coração no livro, e por isso mesmo vale muito a pena para quem gosta de música e enxerga o pop rock como um fenômeno cultural definitivo de uma era.
Comprem, roubem ou peguem emprestado, mas não deixem de ler Rita Lee uma autobiografia, que acabei devorando de uma tirada só, aumentando ainda mais minha admiração pela Mamãe Natureza nossa eterna Rita Lee Jones.