Alguns discos são mesmo definitivos na história de uma banda. Com o The Cure não foi diferente.
Na estrada desde o fim dos anos 70 e com repertório já formado por hits mezzo underground / mezzo mainstream, chegaram ao ano de 1985 numa situação privilegiada mas, com visão, investiram em reinventar a banda.
As inovações vieram tanto nos clipes, em perfeita sintonia com o diretor Tim Pope, ou na nova formação da banda (que virou clássica), com Robert Smith (voz, gtr, teclados), Lol Tolhurst (teclados), Porl Thompson (gtr, teclados), Simon Gallup (baixo) e Boris Williams (bateria) e que trouxeram ao planeta o poderoso e megapop “The Head on The Door“, o melhor da série de sons gerados pelos caras na busca pelo “topo”.
O disco começa com a melhor abertura de canção de uma era… ‘In Between Days’ que deve ter deixado o New Order nervoso, pois o baixo de 6 cordas tocado em estúdio por Smith, além de lindo, lembra os melhores momentos da banda de Manchester, que na época, ainda lutava para se consagrar, e viu sua sonoridade emulada num mega hit arrasa quarteirão.
Já com ‘Kyoto Song’ o teclado vai para uma viajem oriental e Mr.Smith grita mesmo, sente a morte, os pesadelos e a solidão, e nos chama a atenção para o poderoso arranjo.
Logo tudo muda novamente… hora do violão flamenco em destaque em “The Blood“, que sempre me deu a impressão de ouvir Robert Smith exorcizando sua culpa cristã, paralisado pelo sangue de Cristo como a ótima letra descreve.
Talvez o segredo de ‘The Head On The Door’ seja mostrar em cada canção uma diferente faceta da banda, ficando para ‘Six Different Ways‘ a verve mais singela e delicada do álbum, uma balada psicodélica que parece vinda direto da terra do nunca e que cria o clima para a explosão pop e levada roqueira da climática ‘Push‘, que fecha o Lado A do antigo vinil.
Lado B, e a viagem recomeça na eletrônica e dançante ‘Baby Screams‘, em que a voz de Robert marca presença pela força e frescor, dando um sentido de urgência à interpretação.
Mas é no clima claustrofóbico de ‘Close to Me‘ que o gênio pop de Smith se libertou e mostrou a receita própria da fábrica de hits do The Cure, depois desse som, a banda não teve vergonha de apostar na simplicidade dos versos em primeira pessoa e na sonoridade de caixinha de música como fórmula.
E, como disse o co-fundador Lol Tolhurst, no livro-biografia Ten Imaginary Years, “The Head on The Door foi o álbum mais variado que já fizemos, um pouco como uma compilação de singles.”
Para o disco ficar completo, faltava uma balada gótica e o The Cure veio com ‘A Night Like This‘, a mais triste e direta música de fossa dos 80’s, com sua linda guitarra e solo inspirado de sax, tornou-se clássico instantâneo e presença obrigatória nos shows.
Confiram o Cure no video de A Nght Like This
Se o grande single do disco foi ‘Close to Me‘, vale ressaltar a forma brilhante que a banda encontrou para fechar o bolachão, primeiro em ‘Screw‘, com o baixo forte de Simon Gallup nos chamando para a pista, e depois com ‘Sinking‘, em que o clima fica lento e reflexivo, levando os ouvintes a uma melancolia saudosa, nos lembrando que, afinal, esse é um disco do The Cure.
O trabalho é considerado atualmente como o mais bem sucedido da banda, que ainda viu em “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me”, “Disintegration” e “Wish”, sua fama e séquito de fãs ganharem dimensão global.
Claro que a persona de FatBob era sem igual e nenhum outro músico poderia enfileirar tantos hits perfeitos, em meio às referências do tecnopop europeu e do pós-punk como ele.
Talvez… e também por isso, “The Head on the Door” seja tão especial e atemporal… pelas melodias, letras, e por que não… pelo balanço entre a alegria juvenil e a melancolia do sofrimento existencial, cara dos anos 80.